Parceiro,
sabe quando tu tá numa fase derrota? Pois é, cá estou eu.
Primeiramente, chego aqui no México e o meu siso decide dar sinal de
vida. Ele sempre faz isso, eu tenho um caso muito sério com ele.
Quando fui para o Timor quem deu sinal de vida? Opa, o querido siso.
Adivinha quem dava uma manifestação de vida quando eu estava para
defender meu mestrado? E, quem queria a todo modo afirmar sua
existência quando eu estava prestes a assinar o contrato
matrimonial, em outros termos, prestes a casar?
Aí, a
pessoa aqui toda trabalhada na pós-graduação, no mercado de
trabalho e já quase na casa dos trinta tem como sina um siso que
insiste em me dar dores juvenis.
Pois bem,
se me serve de consolo, Agamenon o rei que liderava os gregos na
Guerra de Troia, ao justificar-se perante os demais por pegar a parte
do butim que cabia a Aquiles, também fala do siso.
Quero
justificar-me ante o Peleide.
[...] Não
sou culpado,
mas Zeus,
a Moira e a negronoctâmbula Erínia;
na ágora,
eles cegaram-me o siso, funestos,
no dia em
que tomei o prêmio do Aquileu.
Agamenon
culpa a Até, a deusa do Erro. Ela, juntamente com um secto
nefasto do mundo dos deuses, cegaram-lhe o siso. Ou seja, o problema
todo do juízo dele tinha alguma coisa a ver com o siso e com os
deuses. Bom, não sei bem se há um deus ou deuses para culpar por
tal manifestação do meu siso. Enquanto isso, resta-me de consolo a
ideia de que Agamenon, o grande rei que liderou a busca pela bela
Helena, também sofria dos males do siso.
No final
das contas, sem deuses quaisquer me restou a medicina. Fiz uma mini
cirurgia para retirar a pele que envolvia o siso, pra deixar o
coitado nascer e se expressar, facilitar a vida dele e a minha, claro! Enquanto
isso, estou toda trabalhada nos antibióticos, anti-inflamatório,
anti-passeios e no repouso. Uma coisa muito legal foi que a dentista
que me atendeu já de cara disse: “O que você quer?” Eu respondi
que não queria de modo algum retirar o siso e contei toda minha
história com ele. Ela, gentilmente disse: “ Você é muito nova!”
Ganhei o dia, rá! “Vamos resolver por outras vias, case seja
realmente necessário, podemos pensar em retirar o siso. Não entendo essa necessidade de tirar o siso!”
Enfim,
tive que ficar uns dois dias em casa por conta do siso não retirado e penso que
talvez fique alguns mais. Então decidi estudar espanhol mesmo,
gramática na veia! Por sorte, estou em uma casa que foi feita para
sentir-se acolhida, os dias passam de forma bonita. As cores da casa
são as cores do México que tanto inspirou Frida e Rivera.
Raul, o
pai da Andrea e meu anfitrião, é uma pessoa incrível que gosta
bastante de política, literatura e, principalmente, é super
paciente com meu portunhol. Então, ao longo dos dias, quando nos
encontramos no período da noite, ele me dá várias dicas do que
ler, ouvir e ver das coisas daqui. E, uma desas dicas muito boas foi
um programa de radio feito por um senhor que como bem o Raul define:
é um sábio.
Caros,
apresento-lhes Ernesto de la Peña, já falecido mas ainda ouvido!
Todos os
domingos, às 10 da manhã, havia o programa Música para Dios,
Ernesto buscava músicas que tinha como tema o divino, seja qual for
sua manifestação. Ernesto de la Peña era um erudito, sabia várias
línguas, estudou filosofia, literatura, enfim, as humanidades.
Então, dedicava-se a explicar o contexto,
a história, as particularidades musicais, enfim, toda a arquitetura
da obra-música tocada. É algo que eu gosto muito, me ajuda a aprender espanhol e,
o mais importante: a linguagem escolhida para falar dos deuses é uma
que me agrada muito, pois o tema principal é a alteridade.
Além disso, é uma pessoa que transforma o conhecimento acadêmico acessível para tantos outros.
Aí vai o
site, espero que se divirtam.
Enquanto
isso, cá com meu siso, vou também ouvindo Ernesto de la Peña e rindo de Agamenon - com certa angústia ao mesmo tempo, imagina, marmanja e sofrendo do siso?