Depois de
nove horas e quarenta e sete minutos de viagem, segundo o ticket da
minha passagem, cheguei ao México, em particular, a Cidade do
México. Andrea e su novio, Santiago, gentilmente me buscaram
no aeroporto. No caminho para a casa da Andrea já tive uma sensação
diferente. Sabia que estava em uma cidade grande, grande mesmo, a
vista se perde no horizonte de construções, entretanto, não há
prédios altos como em Sampa. É uma coisa impressionante: como o
fato do olhar alcançar facilmente o céu reduz bastante a sensação
de pressa com vida. E, andando nas ruas da cidade essa sensação
primeira foi só ganhando mais formas e se intensificando – sim, é
incrível estar em uma cidade grande sem arranha-céus!
Em uma
dessas caminhadas pela cidade fui ao centro e, como todo bom país
que tem uma trajetória colonial, as igrejas estão sempre lá. É
uma sensação habitual essa, de esbarrar com igrejas, principalmente
para uma mineira que sempre ia para Ouro Preto. Porém, as
entrelinhas que se criam para a manifestação do cristianismo e para
a construção das igrejas são diferentes. O barroco daqui carrega
fortemente as tradições precedentes, notadamente, dos povos que
habitavam aqui anteriormente. As igrejas e inúmeros outros prédios
tem pedras vulcânicas – uma imprevisibilidade estética para quem
habituou-se às pedras-sabão! Os tons escuros das pedras vulcânicas
constroem uma outra atmosfera para o cristianismo.
Pois
bem, como cheguei no meio da semana-santa me joguei na catolicidade.
Fui à
Catedral, me parece que é a igreja mais importante daqui, foi
construída em cima de um templo asteca. Pra variar, como toda boa
igreja que é o centro de alguma coisa, ela é megalomaníaca!
Gigantesca! E, pqp, sofrida pra caramba. Havia dentro dela várias
salinhas para os santos. Pelos deuses! Dois em particular me chamaram
atenção. O tal do São Calixto que os ossos foram trazidos da
Itália para o México. A história desse santo é mais ou menos
assim, ele queria ajudar um amigo, ai ficou falando até do
cristianismo e no final das contas foi preso e morto, algo assim. Só
sei que os fieis colocam na salinha dele exames, diplomas, concursos.
Enfim, ele é patrono das provas, inclusive, em um caderno que eu
comprei aqui tinha um adesivo dele.
O
detalhe: as provas são colocadas na parte debaixo de um altar que
tem a caveira dele. Uau! Fico imaginando, se essa caveirinha é de um
indigente qualquer... Ai, o coitado vai passar muito, muito tempo até
que seus ossos se decomponham, ouvindo a galera da escola aflita para
passar de ano.
Pois
bem, havia um outro santo que não sei o nome. Mas a história dele
também é uma loucura. Ele queria porque queria falar de Jesus o
tempo todo. Logo, foi perseguido e preso. Todavia, as pessoas que o
prenderam tinham requintes de crueldade: colocaram uma máscara nele.
So sei que ele não podia falar pois a boca, de algum modo, estava
trancada com cadeado; podiam ter deixado o sujeito lá para morrer,
só que não. Só tiravam o cadeado para dar comida, quando começava
a falar, trancavam-lhe a boca.
Enfim,
hoje as pessoas vão lá e colocam cadeados para pedir coisas ou
quando alcançam a graça. Tinha uma porrada de cadeado colocado.
Como isso não é assustador? Ter que pegar o objeto de tortura e dor
do coitado do santo para que um mero mortal consiga algo na vida
terrena? Gente, estou seriamente tentada a crer que ser católico nos
países que foram colonias da Espanha é muito muito mais sofrido que
nos países que foram colonias de Portugal. Claro que no Brasil há
também ritos tão pesados quanto esse, mas creio que a traição
espanhola é mais “sangue-nos-zóio!”
( Há uma perspectiva histórica cujo argumento é de que a dominação feita pelo catolicismo nas colonias espanholas era mais intensa e mais institucionalizada - o que talvez explique essa intensidade religiosa maior que eu perceba nestes países.)
Talvez
meu olhar esteja condicionado à sensação que tive no cemitério da
Recoleta em Buenos Aires. Aqueles túmulos, aliás, aquele cemitério
era um labirinto de Borges! Fiquei chocada e angustiada com os
túmulos gigantescos, os quais tinham um lugar para velar o corpo, com uma cadeirinha do lado. Além de uma estátua de uma menina que parece saída de
filmes de horror. Era um cena de Borges, pois, apesar do horror senti
um fascínio. Sai da Argentina com uma certeza, odiaria ser enterrada
lá.
Ao mesmo
tempo penso que a relação com a morte aqui é diferente, além de
La Santa Muerte que é uma mitologia super forte aqui, o cemitério é
chamado de panteon. A mi me gusta pensar que somos
deuses, nem que seja na hora da nossa morte.
E, para
encerrar minha caminhada católica fui na corrida das cruzes. Na
verdade, na sexta-feira santa
acontece La
Pasión de Cristo em Iztapalapa.
As pessoas fazem uma caminhada gigantesca,
vestidos de Jesus – acho que eram somente homens –, carregando
cruzes gigantescas e, no final, há uma encenação da morte de
Cristo. É estranho, não sei se é porque a história já tá tão
batida ou se é porque a violência cotiana ela tem moldes tão
pesado ou mais que uma crucificação ou não sei ainda se esse papo de
que deus esteve entre nós não tá colando mais, mas... A encenação
era super caricatural, as mulheres gritavam igual à Carminha nos
últimos capítulos da Avenida Brasil! E, de fato, eles conseguiram
achar um lugar para fazer a encenação que era um calvário - quente, seco e cheio de poeira!
Aqui vão algumas fotinhas de La Pasion de Cristo em Iztapalpa. Há comerciantes e cruzes, mtas cruzes. Prestem atenção em duas: a de um menino com uma tatuagem de Jesus no rosto que é algo recorrente no evento e uma cruz, que está presa num poste, como uma bicicleta. Bom, quem iria querer roubar o fardo do outro, mas vai que nem tudo são só metáforas, né?
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| Venda de coroas |
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| Tatuagem de Jesus |
| cruz-bicicleta |
| Subindo uma rua, que é a metáfora da via crucis |



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