quarta-feira, 23 de abril de 2014

Siso e Ernesto de la Peña

       Parceiro, sabe quando tu tá numa fase derrota? Pois é, cá estou eu. Primeiramente, chego aqui no México e o meu siso decide dar sinal de vida. Ele sempre faz isso, eu tenho um caso muito sério com ele. Quando fui para o Timor quem deu sinal de vida? Opa, o querido siso. Adivinha quem dava uma manifestação de vida quando eu estava para defender meu mestrado? E, quem queria a todo modo afirmar sua existência quando eu estava prestes a assinar o contrato matrimonial, em outros termos, prestes a casar?
        Aí, a pessoa aqui toda trabalhada na pós-graduação, no mercado de trabalho e já quase na casa dos trinta tem como sina um siso que insiste em me dar dores juvenis.
      Pois bem, se me serve de consolo, Agamenon o rei que liderava os gregos na Guerra de Troia, ao justificar-se perante os demais por pegar a parte do butim que cabia a Aquiles, também fala do siso.

Quero justificar-me ante o Peleide.
[...] Não sou culpado,
mas Zeus, a Moira e a negronoctâmbula Erínia;
na ágora, eles cegaram-me o siso, funestos,
no dia em que tomei o prêmio do Aquileu.

       Agamenon culpa a Até, a deusa do Erro. Ela, juntamente com um secto nefasto do mundo dos deuses, cegaram-lhe o siso. Ou seja, o problema todo do juízo dele tinha alguma coisa a ver com o siso e com os deuses. Bom, não sei bem se há um deus ou deuses para culpar por tal manifestação do meu siso. Enquanto isso, resta-me de consolo a ideia de que Agamenon, o grande rei que liderou a busca pela bela Helena, também sofria dos males do siso.
       No final das contas, sem deuses quaisquer me restou a medicina. Fiz uma mini cirurgia para retirar a pele que envolvia o siso, pra deixar o coitado nascer e se expressar, facilitar a vida dele e a minha, claro! Enquanto isso, estou toda trabalhada nos antibióticos, anti-inflamatório, anti-passeios e no repouso. Uma coisa muito legal foi que a dentista que me atendeu já de cara disse: “O que você quer?” Eu respondi que não queria de modo algum retirar o siso e contei toda minha história com ele. Ela, gentilmente disse: “ Você é muito nova!” Ganhei o dia, rá! “Vamos resolver por outras vias, case seja realmente necessário, podemos pensar em retirar o siso. Não entendo essa necessidade de tirar o siso!”
       Enfim, tive que ficar uns dois dias em casa por conta do siso não retirado e penso que talvez fique alguns mais. Então decidi estudar espanhol mesmo, gramática na veia! Por sorte, estou em uma casa que foi feita para sentir-se acolhida, os dias passam de forma bonita. As cores da casa são as cores do México que tanto inspirou Frida e Rivera.
      Raul, o pai da Andrea e meu anfitrião, é uma pessoa incrível que gosta bastante de política, literatura e, principalmente, é super paciente com meu portunhol. Então, ao longo dos dias, quando nos encontramos no período da noite, ele me dá várias dicas do que ler, ouvir e ver das coisas daqui. E, uma desas dicas muito boas foi um programa de radio feito por um senhor que como bem o Raul define: é um sábio.
        Caros, apresento-lhes Ernesto de la Peña, já falecido mas ainda ouvido!
       Todos os domingos, às 10 da manhã, havia o programa Música para Dios, Ernesto buscava músicas que tinha como tema o divino, seja qual for sua manifestação. Ernesto de la Peña era um erudito, sabia várias línguas, estudou filosofia, literatura, enfim, as humanidades. Então, dedicava-se a explicar o contexto, a história, as particularidades musicais, enfim, toda a arquitetura da obra-música tocada. É algo que eu gosto muito, me ajuda a aprender espanhol e, o mais importante: a linguagem escolhida para falar dos deuses é uma que me agrada muito, pois o tema principal é a alteridade.
      Além disso, é uma pessoa que transforma o conhecimento acadêmico acessível para tantos outros.
      Aí vai o site, espero que se divirtam.


      Enquanto isso, cá com meu siso, vou também ouvindo Ernesto de la Peña e rindo de Agamenon - com certa angústia ao mesmo tempo, imagina, marmanja e sofrendo do siso?


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